quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Barco quase morto...

O farol?
Sim, não vejo nada.
Ou será que já não sou…
Morri?
Em vez de mim quem está?
Eu?

Embarcação amarrada ao cais,
Da saudade e da esperança.
Dos mares todos
E dos fundos

Navegar, sim, quero navegar.
Deixem-me ir…
Ir e voltar…
Viver,
Ir e voltar…
É no mar que o barco tem de morrer!

Cansado do cais,
Ânsia de vento e luz.

Abdul-Hamid

esta é a cidade

Esta é a Cidade, e é bela.
Pela ocular da janela
foco o sémen da rua.
Um formigueiro se agita,
se esgueira, freme, crepita,
ziguezagueia e flutua.

Freme como a sede bebe
numa avidez de garganta,
como um cavalo se espanta
ou como um ventre concebe.

Treme e freme, freme e treme,
friorento voo de libélula
sobre o charco imundo e estreme.
Barco de incógnito leme
cada homem, cada célula.
É como um tecido orgânico
que não seca nem coagula,
que a si mesmo se estimula
e vai, num medido pânico.

Aperfeiçoo a focagem.
Olho imagem por imagem
numa comoção crescente.
Enchem-se-me os olhos de água.
Tanto sonho! Tanta mágoa!
Tanta coisa! Tanta gente!
São automóveis, lambretas,
motos, vespas, bicicletas,
carros, carrinhos, carretas,
e gente, sempre mais gente,
gente, gente, gente, gente,
num tumulto permanente
que não cansa nem descança,
um rio que no mar se lança
em caudalosa corrente.

Tanto sonho! Tanta esperança!
Tanta mágoa! Tanta gente!

[António Gedeão]

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

palavras que exprimem sentimentos


abrigos na noite


de viagem


Ó senhor da loja, já que a vida é curta
diga-me lá, se souber, quantos metros tem a dor

E já que ainda por cima, a vida é pesada
diga-me lá, se puder, quantos quilos tem o amor

E já que a paciência, tem os seus limites
diga-me lá quantos são, que é p'ra eu saber se espero ou não
quando for desesperar

(...)

Ó senhor da loja, já que a vida é bela
diga-me lá se souber, em que espelho a devo olhar

Mas se por outro lado, diz que a vida é dura
arranje-me aí, se tiver um capacete p'ra eu marrar

E já que a vida é feita de pequenos nadas
guarde-me aí quatro ou cinco que é p'ra quando for domingo
eu os poder saborear

(...)

Ó senhor da loja, já que a vida é breve
arranje-me aí os ponteiros dum relógio que atrasar

E já que no fundo vai tudo dar ao mesmo
diga-me se o mesmo é mesmo tudo o que ainda vai mudar

E já que é preciso deitar contas à vida
desconte-me aí os meses em que apenas fiz às vezes
doutro que não era eu

[Sérgio Godinho]

ponto de fuga


urgentemente

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão, crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar a alegria,
multiplicar os beijos, as searas, é urgente
descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

[Eugénio de Andrade]


recordação...


quatro paredes caiadas


olhando


Algures

E, de repente, a ideia de que há muito pouco realismo na realidade...